quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

We make a little history, baby

Come sail your ships around me
And burn your bridges down
We make a little history, baby
Every time you come around

Come loose your dogs upon me
And let your hair hang down
You are a little mystery to me
Every time you come around

We talk about it all night long
We define our moral ground
But when I crawl into your arms
Everything comes tumbling down
(...)

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Poemacto II

Minha cabeça estremece com todo o esquecimento.
Eu procuro dizer como tudo é outra coisa.
Falo, penso.
Sonho sobre os tremendos ossos dos pés.
É sempre outra coisa,
uma só coisa coberta de nomes.
E a morte passa de boca em boca com a leve saliva,
com o terror que há sempre
no fundo informulado de uma vida.

Sei que os campos imaginam as suas próprias rosas.
As pessoas imaginam os seus próprios campos de rosas.
E às vezes estou na frente dos campos
como se morresse;
outras, como se agora somente eu pudesse acordar.

Por vezes tudo se ilumina.
Por vezes sangra e canta.
Eu digo que ninguém se perdoa no tempo.
Que a loucura tem espinhos como uma garganta.
Eu digo: roda ao longe o outono,
e o que é o outono?
As pálpebras batem contra o grande dia masculino do pensamento.

Deito coisas vivas e mortas no espírito da obra.
Minha vida extasia-se como uma câmara de tochas.

- Era uma casa – como direi? – absoluta.

Eu jogo, eu juro.
Era uma casinfância.
Sei como era uma casa louca.
Eu metia as mãos na água: adormecia,
relembrava.
Os espelhos rachavam-se contra a nossa mocidade.

Apalpo agora o girar das brutais,
líricas rodas da vida.
Há no esquecimento, ou na lembrança total das coisas,
uma rosa como uma alta cabeça,
um peixe como um movimento rápido e severo.
Uma rosapeixe dentro da minha ideia desvairada.
Há copos, garfos inebriados dentro de mim.
- Porque o amor das coisas no seu tempo futuro
é terrivelmente profundo, é suave,
devastador.

As cadeiras ardiam nos lugares.
Minhas irmãs habitavam ao cimo do movimento
como seres pasmados.
Às vezes riam alto. Teciam-se
em seu escuro terrífico.
A menstruação sonhava podre dentro delas,
à boca da noite.
Cantava muito baixo.
Parecia fluir.
Rodear as mesas, as penumbras fulminadas.
Chovia nas noites terrestres.
Eu quero gritar paralém da loucura terrestre.
— Era húmido, destilado, inspirado.

Havia rigor. Oh, exemplo extremo.
Havia uma essência de oficina.
Uma matéria sensacional no segredo das fruteiras,
com as suas maçãs centrípetas
e as uvas pendidas sobre a maturidade.
Havia a magnólia quente de um gato.
Gato que entrava pelas mãos, ou magnólia
que saía da mão para o rosto da mãe sombriamente pura.
Ah, mãe louca à volta, sentadamente completa.
As mãos tocavam por cima do ardor
a carne como um pedaço extasiado.

Era uma casabsoluta – como direi? -
um sentimento onde algumas pessoas morreriam.
Demência para sorrir elevadamente.
Ter amoras, folhas verdes, espinhos
com pequena treva por todos os cantos.
Nome no espírito como uma rosapeixe.

- Prefiro enlouquecer nos corredores arqueados
agora nas palavras.
Prefiro cantar nas varandas interiores.
Porque havia escadas e mulheres que paravam
minadas de inteligência.
O corpo sem rosáceas, a linguagem para amar e ruminar.
O leite cantante.

Eu agora mergulho e ascendo como um copo.
Trago para cima essa imagem de água interna.
- Caneta do poema dissolvida no sentido primacial do poema.
Ou o poema subindo pela caneta,
atravessando seu próprio impulso,
poema regressando.
Tudo se levanta como um cravo,
uma faca levantada.
Tudo morre o seu nome noutro nome.

Poema não saindo do poder da loucura.
Poema como base inconcreta de criação.
Ah, pensar com delicadeza,
imaginar com ferocidade.
Porque eu sou uma vida com furibunda melancolia,
com furibunda concepção.
Com alguma ironia furibunda.

Sou uma devastação inteligente.
Com malmequeres fabulosos.
Ouro por cima.
A madrugada ou a noite triste tocadas
em trompete.
Sou alguma coisa audível, sensível.
Um movimento.
Cadeira congeminando-se na bacia,
feita o sentar-se.
Ou flores bebendo a jarra.
O silêncio estrutural das flores.
E a mesa por baixo.
A sonhar.

All that you feel is tranquillity

(...)
I'm waiting for the night to fall
When everything is bearable
And there in the still
All that you feel is tranquillity
(...)

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Sebastião Peixoto

Este livro fantástico é candidato ao prémio de melhor livro infanto-juvenil 2011 da SPA que será atribuído logo à noite. Passem por uma livraria e folheiem-no.
Uma criança pode dizer, com razão, quando for grande vou comer pastilhas elásticas. É a humana natureza da criança: quando for grande vou fazer isto e aquilo. Respondemos a muitas perguntas em crianças, formuladas por nós ou por outros. Os mais novos cedo compreendem que os grandes sonhos só lhes estão reservados para a vida adulta: um crescido -- pensam eles -- é aquele que tem vontade autónoma, faz o que quer e pode escolher a sua maneira de viver.

Os próprios adultos estimulam a expressão desses sonhos, com a sua permanente curiosidade por saberem quais as ambições dos filhos quando forem maiores. Queres ser o quê? Mas, mais do que uma profissão, a vida infantil decorre com
a permanente lista dos desejos para a vida adulta. Os desejos de uma criança reflectem os seus propósitos naquele momento, não os que terá quando for mais velha. Devíamos, cada um de nós, deixar registados os anseios que sentimos nos primeiros anos da existência, para podermos mais tarde lançar um olhar nostálgico sobre como éramos e nunca mais voltaremos a ser. Ah, e se pensarmos bem, os desejos exprimem, acima de tudo, a perplexidade da criança pelo estranho mundo adulto e os mistérios da natureza.

Quem não quer voltar a querer isto?

Fumando

Pergunto: porque é que os não fumadores
sobem sem escrúpulos aos compartimentos
para fumadores? Porque querem impôr-se? Porque
parecem sempre nauseados?

Cigarro, meu velho amigo.
Passei contigo mais tempo do que com qualquer outro.
Estamos-nos a destruir mutuamente, num cordial
compromisso.

Pergunto: porque não apreciam
a nossa solidão,
o nosso valor ingénuo, nosso
fogo, cinza?

(versão do castelhano, após tradução do polaco por Maciej Ziętara e Maurício Barrientos, incluida no livro “101 [6 poetas polacos contemporáneos]”, RIL Editores, Santiago do Chile, 2008)
Via poesia ilimitada

46

um caminho
que perfeito abrigasse
o chão
que nos sustém

e um céu
que se abrisse
ao morrer do medo
num longínquo ponto
sem luz

e que esta paixão
fosse um deserto
sem sede

este amor
o sono do tempo
Via Canal de Poesia.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

don´t walk away in silence

Não me interessa saber o que fazes para ganhar a vida. Quero saber o que desejas ardentemente, se ousas sonhar em atender aquilo pelo qual o teu coração anseia. Não me interessa saber a tua idade. Quero saber se arriscarás parecer um tolo por amor, por sonhos, pela aventura de estar vivo. Não me interessa saber que planetas estão em quadratura com a tua lua. Quero saber se tocaste o âmago da tua dor, se as traições da vida te abriram ou se te tornaste murcho e fechado por medo de mais dor! Quero saber se podes suportar a dor, minha ou tua; sem procurar escondê-la, reprimi-la ou narcotizá-la. Quero saber se podes aceitar alegria, minha ou tua, se podes dançar com abandono e deixar que o êxtase te domine até às pontas dos dedos das mãos e dos pés, sem nos dizeres para termos cautela, sermos realistas, ou nos lembrarmos das limitações de sermos humanos. Não me interessa se a história que contas é verdade. Quero saber se consegues desapontar outra pessoa para ser autêntico contigo mesmo, se podes suportar a acusação de traição e não traíres a tua alma.

Quero saber se podes ver beleza mesmo que ela não seja bonita todos os dias, e se podes buscar a origem da tua vida na presença de Deus, quero saber se podes viver com o fracasso, teu e meu e ainda, à margem de um lago, gritar para a lua prateada: Posso! Não me interessa onde moras ou quanto dinheiro tens. Quero saber se podes levantar-te após uma noite de sofrimento e desespero, cansado, ferido até aos ossos, e fazer o que tem de ser feito pelos filhos. Não me interessa saber quem és e como vieste parar aqui. Quero saber se ficarás comigo no meio do incêndio e não te acovardarás. Não me interessa saber onde, o quê, ou com quem estudaste. Quero saber o que te sustenta a partir de dentro, quando tudo o mais se desmorona. Quero saber se consegues ficar sozinho contigo mesmo e se, realmente, gostas da companhia que tens nos momentos vazios.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Isto é tão bom que até doi ......*

*Comentário de João Miguel Baptista e que tem a minha absoluta concordância.

Why use the word, when the word it means to believe

Fica esta noite

Preciso amar-te por isso digo fica esta
noite, depois os dias do nosso trabalho
farão luz sobre o tempo. Tenho na cabeça
a tempestade, tantas vezes recordo aquele
corpo que não sabia do prazer que me dava,
tantas vezes acordo e o seu nome quase
me escapa dos lábios, reconheço as feridas,
os golpes todos, se lembro é porque quero
esquecer. Fica esta noite, mais outra, o
tempo que demora a cumprir a decisão de
amar-te. E vamos fazendo o curso dos dias
com algumas opiniões parecidas e ódios às
coisas culpadas. A gente que diz coisas
de silêncio, os andaimes da cidade tapando
saídas, as horas certas quando dizemos
adeus. E que sentido têm estas lágrimas?
Eu vivo neste ano e já me esqueço de mim,
apenas vou precisar amar-te, depressa.

Venho de distribuir tarefas e de ouvir ferro
contra ferro, o cheiro a tinta, barcos em
areia artificial, útil mentira que me conto.
Regresso à cidade de onde nunca soube partir,
pelo caminho passam aos olhos os lugares de
jogar à bola, ao berlinde, o quartel a que
conseguiram que fugisse. Regresso e não sei
se me esperam, alguma vez acreditei na
felicidade? Não voltarei a falhar, os pesadelos
que este corpo agita são meus também, as suas
palavras têm menos peso que o murmúrio do
prazer, vou dizer-lhe isto, deves acreditar,
trago mais um disco, vamos a outra exposição,
vamos dar as mãos junto ao mar. Não gosto
da tarefa de ajudar a esquecer, preciso tanto
amar-te, vou ajudar a esquecer.

Obrigado V. pela partilha :)

You came on like a punch in the heart # 6

There's no easy answer / None to blame or forgive


There's no easy answer
None to blame or forgive
Two cripples dancing
To the end we live

I'm not with you not of you
Not with you, not of you
You are soft and young to me
I am the ghost who comes and goes
And I hope I'll catch you
In the throws of one last look at the wonder
One last look at the wonder

Oh god I love you
And all the past we once knew
Some other love becomes you
Whatever else we come to
I know we could be so happy, baby
If we wanted to be

You are soft and young to me
I am the ghost who comes and goes
I'm hoping that I'll catch you in the throws
Of one last look at joy that we've become

But there's no easy answer, none to blame or forgive
We were two cripples dancing
To the bitter end we live
I'm not with you, but of you
I'm not with you but of you

Oh god I loved you
And all the past we once knew
Some other love becomes you
Whatever else it comes to
I know we could be so happy, baby
If we wanted to be

We had a birthplace in common
We had separate beds and lives

I'll just sit here and glow
Break out the oldest pictures
Hand your ruined letters out to dry
We had a birthplace in common
And separate beds and lives
And lives, and lives
I know that we could be so happy, baby
If we wanted to be
I know that we could be so happy, baby

Povoamento

No teu amor por mim há uma rua que começa
Nem árvores nem casas existiam
antes que tu tivesses palavras
e todo eu fosse um coração para elas
Invento-te e o céu azula-se sobre esta
triste condição de ter de receber
dos choupos onde cantam
os impossíveis pássaros
a nova primavera
Tocam sinos e levantam voo
todos os cuidados
Ó meu amor nem minha mãe
tinha assim um regaço
como este dia tem
E eu chego e sento-me ao lado
da primavera
via sketches for my sweetheart the drunk

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

eu juro

fotografia de Inês Dias.

o contrário de amor

A ti que me inspiras eu desejo e obedeço

A ti que me inspiras eu desejo e obedeço
À tua invisível fuga e ao teu errante regresso
Até ao fundo berço do ritmo chamas-me
trazendo-me a concha da profundidade

São sem fim sem fim os dilúvios caídos
Corações que a tempo provaram a sua fragrância
Aqui estão apesar de tudo as palavras perdidas
E eu componho um verso de saber e perdão.
Via Língua Morta

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

De Cara a la Pared

foi talvez a nossa última canção.
oiço ainda os corpos a vincar a noite,

um campo minado de corações tristes

explodindo o rosto na parede.
muitas músicas depois

quando as paredes eram já outras
e nas caras se perdiam novos nomes
voltei a ela: ficara-me sempre, afinal,

um terrível verso solitário
e a culpa de a ter levado
a um coração onde as canções

morreriam de frio.

encosto a face à parede
mais triste do quarto, fiel
guardiã do sol posto.

o coração que me deixaste
é uma casa difícil de habitar.


Realização: Diogo Varela Silva
Montagem: Gonçalo Soares
Imagem: Diogo Varela Silva e Pedro Lopes
Fotografias: Nuno Carvalho e Pedro Lopes

Fora do lugar

A dor é uma desordem inimiga
das palavras com o silêncio todo fora
do lugar. Saberemos tomar um caminho
por essa floresta escura? Poderemos
sequer recuperar a pequena bússola partida,
a caneta e o papel, as nossas certezas
de trazer no bolso?

Não nos avisaram contra o medo,
não nos disseram que pode chegar
a qualquer hora, deslealmente,
enquanto o sol dorme na paisagem e as ervas
se levantam para receber o Verão. E agora
que quase nos perdemos, sem mapa ou sentido
que nos sirva, o nosso único guia é o amor
dos que nos esperam numa sala branca
onde o chão nos falta e não há estações.

in Periférica, n.º 6, Vila Pouca de Aguiar, 2003.

tempo de poesia

A curva dos teus olhos dá a volta ao meu peito.
É uma dança de roda e de doçura.
Berço nocturno e auréola do tempo,
Se já não sei tudo o que vivi
É que os teus olhos não me viram sempre.

Folhas do dia e musgos do orvalho,
Hastes de brisas, sorrisos de perfume,
Asas de luz cobrindo o mundo inteiro,
Barcos de céu e barcos do mar,
Caçadores dos sons e nascentes das cores.

Perfume esparso dum manancial de auroras
Abandonando sobre a palha dos astros,
Como o dia depende da inocência
O mundo inteiro depende dos teus olhos
E todo o meu sangue corre no teu olhar.

trad. António Ramos Rosa in tempo de poesia, 1970

Sobressaltos

Uma noite estava ele sentado à mesa dele com a cabeça entre as mãos quando se viu a si mesmo a levantar-se e a ir-se. Uma noite ou um dia. Pois quando se apagou a luz dele não ficou na escuridão. Na altura vinha uma espécie de luz da única janela alta. Debaixo dela ainda o banco por onde ele subia para ver o céu até mais não poder ou não querer. Se não se esticava para ver o que havia lá por baixo era talvez porque a janela não era feita para abrir ou porque ele não a podia ou não queria abrir. Talvez ele soubesse até bem de mais o que havia lá por baixo e nunca mais o quisesse ver. E assim mais não fazia que pôr-se ali de pé bem alto acima da terra a olhar através do vidro nublado para o céu sem nuvens. A luz fraca e fixa do céu como nenhuma outra luz de que ele se lembrasse dos dias e das noites em que dia dava em noite e noite dava em dia. Então esta luz exterior quando a luz que ele tinha se apagou tornou-se na única luz que tinha até que por sua vez se apagou e deixou-o na escuridão. Até que por sua vez se apagou.
(...)

trad. Miguel Esteves Cardoso
in Últimos Trabalhos A&A, 1996.

Fotografias

Nesta vida — é um facto — estamos sempre
a desaprender coisas novas. O mundo
vai guardando a luz nas suas bainhas negras
e temos a melindrosa companhia dos fantasmas
que nos procuraram: eles governam rudemente
os nossos pequenos reinos e há um ceptro novo

para cada coroação. De repente, com a volta
das estações, damos por nós muito mais velhos
nas fotografias. As razões que nos assistiam
empalidecem em paisagens cruelmente coagidas
pela luz. Fomos expulsos dos grandes palácios

da alegria? Onde estão os mapas que nos guiavam
lá dentro, exactos como o instinto? Não sabemos
responder: o caminho turva-se: são as incertezas
da maturidade. As palavras não nos iluminam
e o amor está condenado aos defeitos naturais
do coração, que ainda assim há-de voltar a arder

sem defesa nem socorro uma vez mais.

in Periférica, n.º 4, Vila Pouca de Aguiar, 2003.

O Taxi

Quando me afasto de ti
o mundo bate sem força
como um tambor que enfraquece.
Eu chamo-te entre as estrelas lá no alto
e grito pelas cristas do vento.
As ruas, rapidamente,
uma a seguir à outra,
levam-me para longe de ti,
e os candeeiros da cidade furam-me os olhos
para que não mais contemple a tua face.
Porque deverei eu abandonar-te,
para acabar magoada nas afiadas esquinas da noite?

tradução de Ricardo Marques in Não Eram Rosas, Língua Morta, 2012

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Domingo

Acordámos com o céu encostado
no ouvido, nuvens que ladravam e mordiam
o domingo, a partir do alto das montanhas.
E aqui continuamos, agarrados a nós próprios,
como dois miúdos que não têm para onde ir.
Estamos presos ao sofá unicamente porque sim,
nem tristes nem alegres, metidos no roupão
e nos chinelos, pequenos cadeados de trazer
por casa. O mundo, esse, vem buscar-nos
amanhã. Bate-nos à porta, à hora do costume,
palitando os dentes com a ponta da navalha.

in Piolho n.º6, Edições Mortas, 2011.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Loveless

when your eyes don't speak the truth
and denial is your muse
when your life follows a plan,
your convenience is banned
(...)
your loveless, it's okay you,ve planned it well
you will be happy to know that I've moved on as well
your loveless, it's okay you,ve planned it well
it's seemless, i already know you well

And from your lips she drew the Hallelujah

Para quem me esqueceu

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

(De tanto bater o meu coração parou) Desalento

Para a livreira desconhecida
Tristeza destas minhas mãos
demasiado pesadas
para não abrirem feridas,
demasiado leves
para deixarem marca –

tristeza desta minha boca
que diz as mesmas
palavras que tu
– significando outras coisas –
e esta é a expressão
da mais desesperada
distância.

tradução de Inês Dias in Morte de uma estação, Averno, 2012.

Friday "Never Let Me Go"

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Não dizia palavras

Não dizia palavras,
aproximava tão-só um corpo interrogante,
porque ignorava que o desejo é uma pergunta
cuja resposta não existe,
uma folha cujo ramo não existe,
um mundo cujo céu não existe.

A angústia abre caminho entre os ossos,
sobe as veias
até se abrir na pele,
provedores  de sonho
feitos carne em interrogação voltada às nuvens.

Um roço de passagem,
um olhar fugidio entre as sombras,
chegam para que o corpo se abra em dois,
ávido de receber em si
outro corpo que sonhe;
metade e metade, sonho e sonho, carne e carne,
iguais em forma, iguais em amor, iguais em desejo.
Ainda que seja só uma esperança
porque o desejo é pergunta cuja resposta ninguém sabe.

in Placeres Prohibidos, Ed. Castalia, Madrid, 1991.

Pausa

Parecia-me que este dia
sem ti
devia ser inquieto,
escuro. Em vez disso está repleto
de uma estranha doçura, que aumenta
com o passar das horas –
quase como a terra
após um aguaceiro,
que fica sozinha no silêncio a beber
a água caída
e pouco a pouco
nas veias mais profundas se sente
penetrada.

A alegria que ontem foi angústia,
tempestade –
regressa agora em rápidas
golfadas ao coração,
como um mar amansado:
à luz suave do sol reaparecido brilham,
inocentes dádivas,
as conchas que a onda
deixou sobre a praia.

tradução de Inês Dias in Morte de uma estação, Averno, 2012.

i just came to tell you that i'm going away

Des adieux à jamais
Oui je suis au regret
D'te dir'que je m'en vais
Car tu m'en as trop fait
je suis venu te dir'que je m'en vais

E mesmo os poemas todos que escrevi não me pertenceram

Nada me pertenceu - nem o vestido indecente
que pedi emprestado para te oferecer os seios, nem
os seios, que eram já teus muito antes do vestido.

O sorriso que devassou brevemente o meu rosto não
me pertenceu; porque ninguém o viu antes de ti,
nem o espelho se convenceu a devolver-mo.

Todas as coisas que a casa guardou quando partiste não
me pertenceram; porque, ao tocar-lhe nos dias mais
cinzentos, sinto que é pelo calor dos teus dedos que ainda
gritam; e mesmo a cama onde só teu corpo era bem-vindo
nunca chegou a ser inteiramente minha, pois, de contrário,
encontraria nela o meu lugar, e não o teu vazio.

Tu não me pertenceste - e, se uma vez acreditei que
acontecias dentro do meu corpo, das outras vi-te abraçar a
solidão com tanto ardor que concluí ser a memória quem
te mantinha vivo. O meu coração, contudo, sempre

te pertenceu - e a mão desesperada que o procura não
sente bater longe do teu peito. E mesmo os poemas todos
que escrevi não me pertenceram, porque essa vida
que pulsava no papel levaste-a tu contigo na hora
em que te foste - e a que tenho agora é mais
branca e vazia do que a morte, não é vida nem nada

que eu queira alguma vez que me pertença.

Via blog sketches for my sweetheart the drunk

Good lovers make great enemies

Dizes que me amas de uma tal forma,
que não consigo deixar de corar;
que me amas de um modo primitivo,
sem razão aparente e sem desculpas
e que me amas porque me desejas,
porque sabes que eu também te amo
e como o monstro deste amor nos devora
a alma, a paciência e as maneiras.
É uma pena que todas estas coisas
morram em nós afogadas de silêncio.

Via blog sketches for my sweetheart the drunk

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

onde não estás

Diz-me por favor onde não estás
em qual lugar posso não te ver,
onde posso dormir sem te lembrar
e onde relembrar sem que me doa.

Diz-me por favor onde posso caminhar
sem encontrar as tuas pegadas,
onde posso correr sem que te veja
e onde descansar com a minha tristeza.

Diz-me por favor qual é o céu
que não tem o calor do teu olhar
e qual é o sol que tem luz apenas
e não a sensação de que me chamas.

Diz-me por favor qual é o lugar
em que não deixaste a tua presença.
Diz-me por favor onde no meu travesseiro
não tem escondida uma lembrança tua.

Diz-me por favor qual é a noite
em que não virás velar meus sonhos.
Que não posso viver porque te espero
e não posso morrer porque te amo.

Foi na cruz, foi na cruz, que um dia, meus pecados castigados em Jesus

Love comes a-knocking
Comes a-knocking upon our door
But you, you and me, love
We don't live here any more

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Às vezes parece desaparecer - até ao ponto em que desaparece mesmo, para nunca mais voltar.

Vivemos no tempo - ele contém-nos e molda-nos - mas nunca senti que o compreendesse muito bem. E não me refiro a teorias sobre o modo como cede, recua e dá meia volta, ou poderá existir algures em versões paralelas. Não, falo do tempo comum, quotidiano, que os relógios de pulso e de parede nos garantem passar regularmente. Existe algo mais plausível do que um ponteiro de segundos? E todavia basta a menor dor ou prazer para nos ensinar a maleabilidade do tempo. Há emoções que o aceleram, há outras que o abrandam. Às vezes parece desaparecer - até ao ponto em que desaparece mesmo, para nunca mais voltar.

in O Sentido do Fim, edição Quetzal, 2011.
Via Inês Espada

Happy Valentine

Our time is done my love
We've laid it all to waste
One thousand moonlit kisses
can't sweeten this bitter taste
My desire for you is endless
and I'll love you 'till we fall
I just don't want you no more
and that's the sweetest embrace of all

To think we can find happiness
hidden in a kiss
Ah, to think we can find happiness
that's the greatest mistake there is
There is nothing left to cling to babe
There is nothing left to soil
I just don't want you no more
and that's the sweetest embrace of all

Ooohhh where did it begin

When all we did was lose
There's nothin' left to win

So lay your weapons down
they serve no purpose in your hands
And if you wanna hold me
then go ahead and hold me
I won't upset your plans
If it's revenge you want
then take it babe
Or you can walk right out the door
I just don't care anymore
And that's the sweetest embrace of all

Ooohhh where did it begin
When all we did was lose
There's nothin' left to win

It's over babe
And it really is a shame
We are losers you and me babe
In a rigged and crooked game
My desire for you is endless
And I love you most of all
I just don't want you no more
and that's the sweetest embrace of all

The Heart of Saturday Night

Noites. Demasiadas noites,
sobre um cinzento repleto
onde os nomes dos amigos que
não tinhas deixaram de caber.

E, no entanto, parecia tão fácil.
O acaso de uma boleia
que te pusesse à mercê de um charro
e das piores companhias.
Quase gostavas do abandono
que cerzia solidão,
entre esses que bebiam
por cima de escuros degraus,
parados num arco como nunca viste.

Desceste, voltas a descer com eles,
para a mesma áspera certeza.
Nomes que naufragavam,
evocações inúteis. A casa
que mais querias foi sempre essa:
o esquecimento.

in A Última Porta - Antologia, Assírio & Alvim, 2010.

A Estrada Branca

Atravessei contigo a minuciosa tarde
deste-me a tua mão, a vida parecia
difícil de estabelecer
acima do muro alto

folhas tremiam
ao invisível peso mais forte

Podia morrer por uma só dessas coisas
que trazemos sem que possam ser ditas:
astros cruzam-se numa velocidade que apavora
inamovíveis glaciares por fim se deslocam
e na única forma que tem de acompanhar-te
o meu coração bate

A Noite Abre Meus Olhos - Poesia Reunida, Assírio & Alvim, 2010.

A Gruta das Ninfas

Teus pés são mais delicados do que os de Tétis, a argêntea.
Entre teus braços cruzados, aproximas os seios
que docemente embalas como dois belos corpos de pombas.

Sob os cabelos, dissimulas olhos húmidos e cintilantes,
uma boca trémula e as flores carmim de tuas orelhas;
mas nada deterá o meu olhar, nem o sopro quente do beijo.

Porque, no segredo do teu corpo, Mnasídica bem-amada,
és o receptáculo-gruta das ninfas, de que fala o velho Homero,

o lugar onde as Náiades tecem roupas de púrpura,
o lugar de onde escorrem, gota a gota, fontes
inesgotáveis; da sua porta Norte, descem os homens;
pela sua porta Sul, entram os Imortais.

in O Sexo de Ler de Bilitis,  Relógio D'Água, 2010.

A Queda

resta, de Agosto, esta fotografia
iluminada

onde tudo permanece ainda no lugar:
a boca no artifício dos sabores
a lentidão dos açucares
mãos suadas dissipando pântanos
interiores
pernas brancas, vestido colado ao clima
dessas pernas
o cio vibrante do Astro, por cima
por baixo, umas sandálias

às primeiras evidências outonais
levantaram as esplanadas

in Santo Súbito, Edição de Autor, 2010.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

postais e marca-livros LITTLE BLACK SPOT

ainda não compraram uma lembrança para a vossa cara-metade (ou para vocês mesmos)? ainda há tempo! ♥ os postais e marca-livros LITTLE BLACK SPOT a caminho da dominação do mundo, agora à venda na Fnac (Braga). ♥

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

And the first time ever I kissed your mouth


The first time ever I saw your face,
I thought the sun rose in your eyes.
And the moon and stars were the gifts you gave,
To the dark and the endless sky, my love.
And the first time ever I kissed your mouth,
I felt the earth move through my hands.
Like the trembling heart of a captive bird
That was there at my command.

And the first time ever I lay with you,
I felt your heart so close to mine.
And I know our joy would fill the earth,
And last till the end of time, my love.

The first time ever I saw your face.

Uma sala sem livros é como um corpo sem alma*

*Cícero

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Swing With Me


Swing with me baby
Swing with me baby
All through the night

I got a glow on me baby
Glow on me baby
When you hold me tight

This was a night of love
Oh baby

So come on sweet thing baby
Come on sweet thing baby
Come on and do me right

So come on sweet thing baby
Come on sweet thing baby
Come on and do me right

Lemme tell y'all

I wanna swing with you baby
Swing with you baby
All through the night

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Avé Maria cheia de Grazia...

Maria Grazia Cucinotta deslumbrante beleza sulista, musa inspiradora do carteiro de Pablo Neruda.

 quando uno uómo comincia a toccare con le parole arriva lontano con le mani






não culpem os livreiros que os ignorantes são os outros

Chegámos ao tempo dos exageros, potenciado pelas redes sociais e novas tecnologias. Os amantes dos livros têm o pêlo eriçado por tudo o que ameaça o livro na sua forma tradicional.
Excelente texto para ler na íntegra neste no blog Estórias com Livros: não culpem os livreiros que os ignorantes são os outros...

An End Has A Start


I don't think that it's
Gonna rain again today
There's a devil at your side
But an angel on her way

Someone hit the light
'Cause there's more here to be seen
When you caught my eye
I saw everywhere I'd been
And wanna go to

You came on your own
That's how you'll leave
With hope in your hands
And air to breathe

I won't disappoint you
As you fall apart
Some things should be simple
Even an end has a start

Someone hit the light
'Cause there's more here to be seen
When you caught my eye
I saw everywhere I'd been
And wanna go to

You came on your own
That's how you'll leave
With hope in your hands
And air to breathe

You lose everything
By the end
Still my broken limbs
You find time to mend

More and more people
I know are getting ill
Pull something good from
The ashes now be still

You came on your own
That's how you'll leave
With hope in your hands
And air to breathe

You lose everything
By the end
Still my broken limbs
You choose to mend

You came on your own
That's how you'll leave
You came on your own
That's how you'll leave

You came on your own

You came on your own

Uma canção de beber

O VINHO entra, é pela boca
E o amor entra pelo olhar;
É quanto temos por certo
Até crescer e expirar.
Elevo a minha taça à boca,
Olho-te, para suspirar.

Quando fores velha

Quando fores velha, grisalha, vencida pelo sono,
Dormitando junto à lareira, toma este livro,
Lê-o devagar, e sonha com o doce olhar
Que outrora tiveram teus olhos, e com as suas sombras profundas;

Muitos amaram os momentos de teu alegre encanto,
Muitos amaram essa beleza com falso ou sincero amor,
Mas apenas um homem amou tua alma peregrina,
E amou as mágoas do teu rosto que mudava;

Inclinada sobre o ferro incandescente,
Murmura, com alguma tristeza, como o Amor te abandonou
E em largos passos galgou as montanhas
Escondendo o rosto numa imensidão de estrelas.

O Calmante

Não sei quando morri. Sempre me pareceu que morri velho, por volta dos noventa anos, e que anos, e que o meu corpo o comprovava, da cabeça aos pés. No entanto, neste final de tarde, sozinho na minha cama gelada, sinto que vou ser mais velho do que o dia, do que a noite em que o céu caiu com todas as suas luzes sobre mim, o mesmo céu que tantas vezes olhei, desde que vagueava pela terra longínqua. Porque hoje tenho medo demais para me ouvir apodrecer, para esperar pelos grandes e violentos baques do coração, pelas contorções do ceco sem saída e para esperar que se cumpram na minha cabeça os longos assassínios, o assalto aos pilares inquebrantáveis, o amor com os cadáveres. Vou portanto contar a mim mesmo uma história, vou portanto tentar contar mais uma vez a mim mesmo uma história, para tentar acalmar-me, e é nessa história que sinto que serei velho, muito velho, ainda mais velho do que no dia em que caí, clamando por socorro, e o socorro chegou. Ou talvez nessa história eu tenha regressado à terra, depois de morrer. Não, não é o meu género, regressar à terra, depois de morrer.
(…)
in novelas e textos para nada, assírio & alvim, 2006.
Via blog canal da poesia.

Dance me to your beauty with a burning violin


(...)
Oh let me see your beauty when the witnesses are gone
Let me feel you moving like they do in Babylon
Show me slowly what I only know the limits of
Dance me to the end of love
(...)

domingo, 5 de fevereiro de 2012

"Ever tried. Ever failed. No matter. Try Again. Fail again. Fail better." *

(...)
Didn’t we? did we? should we? could we?
I’m not sure but sometimes we’re so blind
Struggling through the day
When even your best friends say
Don’t you find?
We all fall in love sometimes
(...)

*Samuel Beckett

Aos amigos

Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
— Temos um talento doloroso e obscuro.
Construímos um lugar de silêncio.
De paixão.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Apoiem este projecto, comprem os livros editados pelo João e a Natália!

(clicar na imagem para ler)

O primeiro amor

Dizem
que o primeiro amor é o mais importante.
É muito romântico,
mas não é o meu caso.

Algo entre nós houve e não houve,
deu-se e perdeu-se.

Não me tremem as mãos
quando encontro pequenas lembranças,
aquele maço de cartas atadas com um cordel,
se ao menos fosse uma fita.

O nosso único encontro, passados anos,
foi uma conversa de duas cadeiras
junto a uma mesa fria.

Outros amores
continuam até hoje a respirar dentro de mim.
A este falta fôlego para suspirar.

No entanto, sendo como é,
não lembrado,
nem sequer sonhado,
consegue o que os outros não conseguem:
acostuma-me com a morte.
Via blogue o melhor amigo.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Possibilidades

Prefiro cinema.
Prefiro os gatos.
Prefiro os carvalhos nas margens do Warta.
Prefiro Dickens a Doistoievski.
Prefiro-me gostando dos homens
em vez de estar amando a humanidade.
Prefiro ter uma agulha preparada com a linha.
Prefiro a cor verde.
Prefiro não afirmar
que a razão é culpada de tudo.
Prefiro as excepções.
Prefiro sair mais cedo.
Prefiro conversar com os médicos sobre outra coisa.
Prefiro as velhas ilustrações listradas.
Prefiro o ridículo de escrever poemas
ao ridículo de não escrever.
No amor prefiro os aniversários não redondos
para serem comemorados cada dia.
Prefiro os moralistas,
que não prometem nada.
Prefiro a bondade esperta à bondade ingénua demais.
Prefiro a terra à paisana.
Prefiro os países conquistados aos países conquistadores.
Prefiro ter abjecções.
Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem.
Prefiro contos de fada de Grimm às manchetes de jornais.
Prefiro as folhas sem flores às flores sem folhas.
Prefiro os cães com o rabo não cortado.
Prefiro os olhos claros porque os tenho escuros.
Prefiro as gavetas.
Prefiro muitas coisas que aqui não disse,
e outras tantas não mencionadas aqui.
Prefiro os zeros à solta
a tê-los numa fila junto ao algarismo.
Prefiro o tempo do insecto ao tempo das estrelas.
Prefiro isolar.
Prefiro não perguntar quanto tempo ainda e quando.
Prefiro levar em consideração até a possibilidade
do ser ter a sua razão.


in Rosa do Mundo, edição A&A, 2001
Poema retirado do blog o café dos loucos.

Amor à primeira vista

Os dois estão convencidos
de que foi um sentimento súbito o que os juntou.
É bela uma certeza como essa,
Mas é mais bela a incerteza.

Acham que por não se terem conhecido antes
nunca houve nada entre eles.
E o que diriam as ruas, escadas, corredores,
Onde há muito podiam se cruzar?

Queria perguntar-lhes
Se não se lembram -
Na porta giratória talvez
Um dia cara a cara?
Em meio à multidão um 'com licença'?
No telefone a voz - engano?
- mas conheço sua resposta.
Não, não se lembram.

Ficariam surpreendidos de saber
Que já faz tempo
O acaso brincava com eles.

Não preparado ainda
a transformar-se para eles num destino,
aproximava-se e os afastava,
cortava-lhes o caminho
e, abafando a gargalhada,
saltava para o lado.

Houve sinais, signos, só que ilegíveis.
Talvez há três anos atrás
ou na terça-feira passada
certa folha voou
de um ombro para o outro?

Houve algo perdido e recolhido
Quem sabe, uma bola
já no bosque da infância.

Houve maçanetas e campainhas,
em que antes
já o toque se punha no toque.
As malas lado a lado no depósito de bagagem.
Talvez, numa certa noite, o mesmo sonho
Apagado imediatamente depois de acordar.

Pois cada princípio
é apenas uma continuação,
e o livro de eventos
sempre aberto no meio.

Wislawa Szymborska

Alguns gostam de poesia (1923)

Alguns —
quer dizer nem todos.
Nem a maioria de todos, mas a minoria.
Excluindo escolas, onde se deve
e os próprios poetas,
serão talvez dois em mil.
Gostam —
mas também se gosta de canja de massa,
gosta-se da lisonja e da cor azul,
gosta-se de um velho cachecol,
gosta-se de levar a sua avante,
gosta-se de fazer festas a um cão.
De poesia —
mas o que é a poesia?
Algumas respostas vagas
já foram dadas,
mas eu não sei e não sei, e a isto me agarro
como a um corrimão providencial.
in Alguns gostam de poesia (antologia), edição Cavalo de Ferro, 2004.
+ informação sobre a poetisa.

Fernando Assis Pacheco

Morreu numa livraria não foi? Então teve a morte mais bela a que um escritor pode aspirar. Morreu junto aos livros, no seu posto, como o soldado morre no campo de batalha.

Gonzalo Torrente Ballester, sobre Fernando Assis Pacheco [nasceu em Coimbra, faz hoje 75 anos], citado por José Mário Silva.

Edições Averno

Nos últimos anos a poesia, e a literatura, perderam terreno. Isso não é uma catástrofe. A poesia dá-se bem em condições adversas.

Entrevista completa dos fundadores da Averno, Manuel de Freitas e Inês Dias ao programa  Tantas Páginas.

3 poemas de Inês Dias

ÁGATA
Foi amor à primeira vista.
Ela tinha nome de pedra preciosa
e, na literalidade dos meus cinco anos,
cabelo em forma de pássaro – negro
asa de corvo.
Era o tempo em que ainda
aprendia com o corpo todo:
uma fractura exposta para entender
o significado da maioria, uma pneumonia
para descobrir a solidão.
Quando ela me cravou um lápis
sob o olho esquerdo, pressenti que a escrita,
grafite fria à flor do sangue,
deixaria marcas para sempre.
Nunca mais nos separámos.
Eu e as palavras,
a Ágata mudou de escola.
***

ET NUNC MANET IN TE
Meu amor,
a casa está tão sozinha que
os pássaros vêm morrer lá dentro.
Nada mudou, mas falta
a mão para acariciar o gato
e acolher a ninhada secreta,
o sorriso que enchia o tanque
e fazia crescer a horta.
Já ninguém apanha as laranjas mais altas
ou usa a sombra da nogueira.
E até os ciprestes se tornaram redundantes
ao ponto de os abatermos:
a ausência diz-se melhor no esplendor
inútil das rosas sem esse olhar,
nas papoilas raras que duram
o tempo de uma fotografia.
Um dia, deixaremos também uma casa assim,
casulo abandonado a sobreviver-nos.
Um de nós escutará as asas ansiosas
na chaminé, antes de pousar o livro
e amparar o último pássaro.
Só parecerá menos triste
porque não teremos, então,
nada mais a perder.
***

NOSTALGHIA
Ouvia-te falar e sentia
as chamas retomarem
as paredes do teu coração
de igreja abandonada.
O céu, nessa tarde,
era um leque de lantejoulas
ao rés do teu sorriso
e dos meus olhos encadeados.
Doía-me esse excesso de luz
que te fazia toda sombra,
o crepitar morno da pele
antes do incêndio consumado.
Sempre que dizias o seu nome,
riscavas outro fósforo –
ele avançava dentro de ti,
nas mãos uma vela prestes a cair.
Amo demasiado o fogo
para a suster. Prefiro
redesenhar as nossas cicatrizes,
ser depois a memória da pedra
fria em pleno Verão.


in Em Caso de Tempestade este Jardim Será Encerrado, Tea for One, 2011.
Poemas retirados do blog bibliotecário de babel (Peço desculpa pelo rapinanço mas a poesia da Inês merece-o)